Ultras e centros sociais? Autogestão e grupos de tiffosi? |
É indiscutível que os primeiros grupos ultras nascidos em Itália, adoptaram o modelo e os princípios da autogestão introduzido pelos centros sociais, algo que seria uma característica intrínseca do movimento dos tiffosi organizados: os ultras! Centros Sociais e Ultras têm em comum uma característica antagonista e um espírito crítico que tem raízes nos anos 60 e 70, na cultura underground e nos movimentos extraparlamentares italianos. O movimento ultra tem na sua essência, do final dos anos 60 e depois nos anos 70 ainda, o mesmo espírito militante típico dos colectivos autogeridos, denominados de centros sociais. A ideia de espaço libertado não está distante daquela que se afirma no território da curva onde actuam os ultras. Centros sociais e curvas são dois patrimónios indispensáveis da cultura juvenil, não apenas italiana, enquanto uma cultura fora dos padrões normais que regem os comportamentos sociais. Os centros sociais afirmam-se como espaços de contracultura do situacionismo imobilista duma sociedade em crise, a viver o rescaldo dos turbulentos acontecimentos do Maio de 1968 que percorreram toda a Europa e também a Itália. Nesses espaços, a geração fundadora do ideal ultra cultiva a discussão, a critica, a vontade de intervir e de participar, a qual seria transportada para as curvas dos estádios italianos. Estes centros sociais difundiam uma acção próxima da ideologia esquerdista extraparlamentar, com a marca contestatária e também turbulenta inapta a uma juventude "contestatária". Acção politica "fora da curva", uma característica dos primeiros ano Todavia, ainda que os grupos próximos da extrema-direita parlamentar, ou não, no início dos anos 80, assumissem sem demasiados problemas a sua ideologia dentro da curva, os primeiros ultras que militavam nos centros sociais, preferiam não publicitar a sua luta nos estádios, até porque o tifoso era defendido, de forma redutora, pela extrema-esquerda como "homem à mercê do capitalismo".
É inegável que inúmeros ultras dos grupos milanistas BRN e FDL eram activos militantes de históricos centros sociais (centros sociais Concheta ou Leoncavallo) a exemplo de destacados responsáveis dos "Ultras Granata" do Torino (centros sociais Chinoz e Murazzi) ou de forma ainda mais clamorosa com os fundadores do "Nuclei Sconvolti" do Cosenza (centro social Gramna). A integração activíssima de inúmeros militantes dos centros sociais nos principais grupos ultras em pleno anos 80, fez entrar o movimento ultras na órbita dos emergentes "comités de luta de autogestão" que operavam nos centros sociais nos anos 80. O Boom do movimento ultra No boom do movimento ultra em meados dos anos 80, com a explosão e proliferação dos grupos ultras por toda a Itália, emerge uma conjuntura que apresenta as primeiras manifestações organizadas xenófobas e racistas; o que origina a urgência de lançar para debate no interior do centros sociais, a "problemática do movimento ultra".
Centro Social de Modena publica documento histórico sobre a situação nas curvas O exemplo mais mediático veio de Modena com a elaboração de um documento exaustivo que teve continuidade em muitos outros centros sociais. O documento do centro social destacava: "É impensável que num país flagelado pelo fascismo, os neonazis encontrem espaço nas curvas para publicitarem de forma impune suas acções. Deve dizer-se que o movimento dos adeptos organizados deve ser fonte de reflexões, até pelas suas contradições internas. A diferença entre "camerati" (militantes de direita) e "compagni" (militantes de esquerda) que frequentam as curvas italianas é que os segundos preferem canalizar as suas formas de luta nos bairros, nas fábricas, partindo dos centros sociais e nunca numa curva. Desta forma, apresentam-se duas ideias: por um lado continua a considerar-se uma partida de futebol como uma paixão desportiva que com a politica entra pouco ou nada e que por outro lado uma outra que define o estádio como "produtor de valores sociais antagónicos". Nos últimos tempos têm proliferado nas curvas, as bandeiras com os símbolos de ocupação (dos centros sociais) o que traduz uma resposta à colonização que os neonazis têm tentado impor ao movimento dos ultras. Esta é uma problemática sem uma fácil resolução, até porque quem frequenta uma curva jamais pode conformar-se com a proliferação do racismo e da extrema-direita que dessa forma procura apenas alargar o recrutamento na curva e publicitar as suas acções sempre pela via da força". Este documento, da autoria do Centro Social de Modena causou grande impacto em diversos outros centros sociais e dessa forma no agravamento do antagonismo entre as facções politicas cada vez mais activas nas curvas. O centro Social Leoncavallo de Milão e a Curva Sul A poucos meses do assassinato do ultra do Génova Vicenzo Spagnolo em 1995, o Centro Social Leocavallo realizara um exaustivo debate centrado nas contradições do movimento ultras. Este centro social estaria no centro da contestação da curva sul do AC Milan nos anos 90, a propósito do objecto pirotécnico que atingiu o guarda redes austríaco do Konrad do Salzburg numa eliminatória da Champions. O presidente do clube milanista Berlusconi, na altura também presidente do governo italiano, acusou directamente o Centro Social Leonkavallo de complot orquestrado contra o politico italiano. Todos os grupos ultras rossoneri reagiram em conjunto expondo na deslocação a Torino uma faixa em que se reafirmavam a absoluta separação entre tifo e política, pelo menos na curva sul milanista. O presidente milanista conhecedor do histórico relacionamento de militantes dos centros sociais (o "concheta", participada desde o inicio por destacados membros da BRN) na curva milanista e alvo de uma crescente contestação juvenil, tantas vezes organizada pelos centros sociais, fez uma associação de ideias redutora, atirando o odioso para cima de um centro social muito enraizado no movimento ultra milanista. Este episódio serve para retratar a ligação fortíssima dos centros sociais com grupos ultras. Uma verdadeira rede por toda a Itália Os centros sociais são uma realidade por toda a Itália, estimando-se que o seu número supere a centena. Esta rede de centros sociais tem impacto no relacionamento com diversos grupos ultras. Na curva sul de Roma durante anos foi famoso o relacionamento com o "Chentro Sociale de Torbello Monica", permitindo inclusivamente a organização de coreografias colossais. Em Génova o Centro Social Zapata e a "Gradinata Nord"; em Perugia o Centro Social "Chim" com os grupos ultras, Armata Rossa, os Ingrifati e os 3M; em Milão a Fossa dei Leoni e a BRN com os Centros Sociais "Leoncavallo", "Conchetta" e "Garibaldi"; em Pisa os Rangers Pisa assumem o histórico relacionamento com o Centro Social Macchia Negra; em Modena a Brigate Gialloblú tem nos Centros Sociais Scintilla e XXI Aprile verdadeiras referências para a sua acção; em Florença, o Centro Social Exemerson tem a militância activa de destacados membros da Curva Fiesole; a curva Tarantina com o centro social Cittá Vekkia. Torcida Verde no Centro Social de Veneza Em Veneza é a intensa relação entre os Ultras Unione e o Centro Social Morion que em Agosto de 2002 tivemos oportunidade de testemunhar na Torcida Verde, aquando da deslocação a Milão com o Inter para a Champions. Em Alessendria os Ultras Grigi com o Centro Social Forte Guercio, tal como em Casarano com a conhecida amizade entre o Centro Social local e os CUSP, grupo ultra do clube. Os exemplos continuam sem parar por toda a Itália. Ao longo dos anos os grupos tradicionais mantiveram esta ligação com os Centros Sociais, os quais têm significado verdadeiros locais onde emergiam novas tendências ligadas à cultura, à música, assim como dinamizavam verdadeiros fóruns de discussão e de novos fenómenos de cultura "suburbana", mas também é um espaço de acolhimento. Tags: |
A edificação de um espaço dedicado à problemática que envolve os adeptos de todo o mundo, no sítio oficial da Torcida Verde será sempre um desafio por cumprir, dada a dimensão de um fenómeno com expressão planetária.
Neste espaço serão incluídos submenus que retratam os objectivos a que nos propomos: divulgação de notícias sobre as problemáticas relativas aos adeptos; tratamento mais aprofundado de temas tidos como relevantes; entrevistas dando voz a temas relevantes em discurso directo.
Aqui são protagonistas Grupos de Adeptos Organizados, ou quaisquer outros actores desta realidade.